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Eras da Epidemiologia: pré-formal

"epidemiologista" no século XVII
"epidemiologista" no século XVII

A história da epidemiologia pode ser compreendida por meio de quatro grandes fases de desenvolvimento:
  1. a pré-formal (séculos XVII a XIX),
  2. a inicial (1900 a 1945),
  3. a clássica (1945 a 1980) e
  4. a moderna (de 1980 até os dias atuais).

Essa divisão revela não apenas uma linha do tempo, mas a construção progressiva de um corpo metodológico e conceitual que tornou a epidemiologia uma ciência central para a saúde pública. Nesta série de postagens, vamos explorar cada uma das fases, começando com primeira chamada fase pré-formal, marcada pelo surgimento do pensamento epidemiológico no século XVII.

Foi nesse período que, pela primeira vez, se criaram as condições para analisar dados populacionais de forma sistemática. Ainda sem uma teoria formal guiando os estudos, os primeiros passos da epidemiologia foram dados com base em observações empíricas, registros de mortalidade e comparações entre grupos populacionais. Essa fase representa o momento fundacional da disciplina, quando começou a se formar o olhar coletivo sobre o processo saúde-doença — como destacou Alfredo Morabia em suas análises históricas sobre a evolução do campo.

Diversas características no século XVII permitiram o surgimento da epidemiologia como disciplina científica. Este período foi marcado por mudanças profundas e convergentes que resultaram em um "big bang cultural", abrindo um novo domínio de aquisição de conhecimento baseado no pensamento populacional e em comparações de grupos.

As condições históricas cruciais incluem:
  • Disponibilidade de dados populacionais sobre causas de morte, em particular as mortes pela peste. O século XVII foi um período conturbado na Europa, marcado por recessão econômica, guerras e instabilidade política. Os estados absolutistas emergentes enfrentavam um grande obstáculo: a peste. As Bills of Mortality em Londres, coletadas semanalmente de forma relativamente similar desde 1603, desempenharam um papel decisivo, pois se tornaram disponíveis para análise como uma série de dados de saúde.



Durante o grande surto de peste bubônica ou morte negra no verão quente de 1665 em Londres, foram emitidas listas especiais de mortalidade que listavam as causas da morte. Em meados de julho, mais de mil mortes por semana eram relatadas em panfletos que eram afixados em locais públicos para alertar as pessoas de que a peste estava crescendo. Os ricos fugiam da cidade, mas os pobres não tinham essa opção e morriam em massa. É mostrada a frente de uma conta que lista a contagem final para o ano de 1665 com memento mori ou lembre-se de que você morrerá, escrito na parte superior e esqueletos representando a morte nas bordas. A segunda conta lista o número de mortes em Londres por apenas uma semana em setembro de 1665. Ela mostra que 7.165 pessoas morreram de peste. Outras mortes registradas apontam para a alta mortalidade infantil da Inglaterra moderna; 17 chrisomas, ou bebês que morreram no primeiro mês de vida; 121 dentes, ou bebês que morreram quando ainda estavam com os dentes nascendo. Quinze crianças morreram de vermes ou parasitas no corpo. Várias febres também são mencionadas – 42 mulheres morreram de febre puerperal, ou infecção bacteriana após o parto, e 101 pessoas sucumbiram à febre maculosa (provavelmente tifo).

  • Um florescimento simultâneo de novas ideias em filosofia, ciência e medicina, levando a novos conceitos de "exposição" e "doença", e um afastamento da complexidade do pensamento holístico. Francis Bacon formulou um conceito moderno de exposição, encorajando a investigação de determinantes de saúde ainda estudados hoje. Thomas Sydenham contribuiu para um conceito de resultado, vendo nos sinais e sintomas compartilhados por diferentes doentes a manifestação de "doenças" genéricas com histórias naturais características, permitindo agrupar e comparar pacientes com a mesma doença. Essa nova visão de mundo era compatível com o pensamento populacional e as comparações de grupos.
  • O desenvolvimento do conceito de "população" como mais do que um mero agregado de indivíduos. Sem essa compreensão, a comparação de grupos de pessoas não faria sentido, e sem comparações de grupos, não há epidemiologia. Historicamente, o pensamento populacional surgiu de um evento singular desencadeado por movimentos simultâneos e profundos para longe do holismo em várias esferas.
  • A crise do século XVII e a peste foram fatores relevantes. A peste, pensava-se na época de Graunt, era provocada por um alinhamento específico de planetas e transmitida por miasmas. A análise de John Graunt das Bills of Mortality em 1662 apontou para uma causa ambiental e flutuante para a peste. Suas observações sobre os "saltos" repentinos na frequência da peste eram mais consistentes com uma origem ambiental do que com um distúrbio originário da "constituição dos corpos humanos".
  • A combinação de dados populacionais e uma abordagem reducionista, combinando ideias baconianas e cartesianas, criou as condições para a aplicação do pensamento populacional aos dados de saúde. John Graunt, um empresário admitido na Royal Society, publicou em 1662 "Natural and Political Observations Made upon the Bills of Mortality", marcando a primeira aplicação do pensamento populacional a dados de saúde. Graunt percebeu que algum conhecimento só poderia ser adquirido no nível populacional. Ele analisou 50 anos de dados das Bills, criando as primeiras tabelas de dados de saúde.

A publicação de Graunt em 1662 combinou pensamento populacional e comparações de dados populacionais ao longo do tempo, de uma maneira sem precedentes, marcando o surgimento do pensamento epidemiológico. Este evento foi o culminar de uma extraordinária convergência de eventos históricos, incluindo forte vontade política, novas ideias e a disponibilidade de dados de saúde populacionais. Antes, uma linha de pensamento como essa era literalmente inconcebível.

Referências:

Morabia A (2004) Epidemiology: An epistemological perspective. In History of epidemiological methods and concepts, Morabia A (ed) pp 1-126. Birkhäuser: Basel

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